Messi treme na 'hora H'? Os números respondem!
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Nas vésperas do último clássico Barcelona x Real Madrid, o FutLAB publicou sua primeira reportagem no site da ESPN. Somos um grupo formado pelo jornalista Maurício Barros, blogueiro e comentarista dos canais ESPN, e os economistas Celso Toledo, Fábio Moraes e Marco Antônio, e nossa proposta é examinar o futebol pela ótica exclusiva dos números.
Naquela primeira reportagem, comparamos os craques Messi, Cristiano Ronaldo, e Neymar, e chegamos à conclusão de que o argentino é, de fato, o melhor do mundo: atacante genial como Ronaldo, criador incrível como Neymar.
Lendo as centenas de comentários da série de três posts, vimos que alguns se repetiam: aqueles que argumentavam que Cristiano Ronaldo era um jogador "fabricado", outros que falavam que números não devem ter lugar no futebol, e outros ainda diziam que Messi poderia até ter bons nos números, mas que "amarelava" na hora H, enquanto Cristiano Ronaldo e Neymar subiam de produção.
Esta nova análise trata justamente deste último ponto: será que, de fato, Messi sente a pressão e "treme" nos momentos de decisão?
Muitos dizem que ele teve a bola do título mundial na Copa de 2014 na final contra a Alemanha, e chutou para fora... Na tentativa de diminuir a distância para o Real Madrid nas últimas rodadas da Liga, o Barcelona obteve uma impressionante série de seis vitórias consecutivas (inclusive sobre o rival merengue), marcando (também impressionantes) 24 gols, sendo 8 destes de Messi.
Mas nossa proposta vai além de olhar os últimos resultados, ou ainda de se apegar a clichês. Vamos novamente ser objetivos e examinar o que os números dizem.
O QUE ESTAMOS COMPARANDO
A lenda diz que Messi joga o fino da bola durante o Campeonato Espanhol, mas não tem desempenho tão decisivo nos momentos de pressão, tanto na Champions League quanto pela seleção argentina. Nesta análise, os dados que coletamos junto à Opta (maior empresa de coleta de dados esportivos do planeta e parceira da ESPN) se referem à liga espanhola, temporadas 2010/11 a 2015/16, aos jogos da Champions entre as temporadas 2010/11 E 2016/17, à Copa América de 2015 e de 2016, às Copas do Mundo de 2010 e de 2014, e às eliminatórias das Copas de 2014 e 2018.
Existem diversos problemas ao compararmos a atuação de jogadores em situações distintas com diferentes companheiros e esquemas táticos. A nossa ideia foi entender estas limitações, e criar alternativas de análise que considerem estas diferenças.
Vamos iniciar a análise comparando o Barcelona com a seleção argentina. Enquanto o clube catalão apresentou no período uma posse de bola de cerca de 68,5% (valor que se mantém na Liga e na Champions), a seleção argentina nos campeonatos analisados apresentou posse de bola de 59%. Esta diferença nos diz que Messi apresenta menos possibilidades de criar e marcar pela seleção, que muito provavelmente deve se traduzir nos números.
Além disso, assistindo aos jogos, vemos que Messi atua de maneira distinta em cada time - diferentes esquemas táticos e diferentes companheiros levarão, naturalmente, a diferentes maneiras de atuar de um jogador. Abaixo, temos a maneira de atuar de Messi na Liga, na Champions, e pela Argentina:
No quadro acima temos a distribuição dos toques de Messi em nove partes distintas do campo. A primeira coisa a notar é que Messi se movimenta da mesma maneira quando joga pelo Barcelona, seja na Liga, seja na Champions.O segundo ponto é em relação à diferença entre Barcelona e Argentina: enquanto que em seu clube Messi passa quase que 60% do seu tempo no ataque, e 40% no meio de campo, na seleção ele se divide em cerca de 50% em cada um destes setores.
Esta diferença muito provavelmente vem do fato de que a geração de Messi em seu país é notoriamente abundante em atacantes (Higuain, Aguero, Tevez, Lavezzi, Di Maria), e mais fraca no meio campo (Banega, Biglia, entre outros), o que acabou por empurrar Messi para a articulação.
O que isto quer dizer em nossas análises? Que esperamos que Messi participe mais do jogo e crie mais chances para seus companheiros quando joga na Argentina, e que finalize mais quando joga pelo Barcelona.
MAS O QUE É UMA SITUAÇÃO DE PRESSÃO?
Esta parte é um pouco complicada... O que é pressão? Como medimos uma situação de pressão? Bem, apesar de ser algo pessoal (cada um experiencia uma situação de maneira distinta), adotamos aqui o critério mais comum no mundo do futebol: jogar um mata-mata é mais difícil (do ponto de vista emocional) que jogar uma partida no meio de um longo campeonato de pontos corridos.
Consideramos também que as primeiras fases da Champions, da Copa do Mundo e da Copa América, por serem fases de grupo muito curtas, são equivalentes, sob esse ponto de vista, a um mata-mata. Por fim, dada toda a pressão que existe ao se jogar pela Argentina, consideramos também como uma situação de pressão atuar pela seleção nas eliminatórias e na Copa do Mundo.
OS NÚMEROS NA LIGA, NA CHAMPIONS NA SELEÇÃO
Ressaltadas as diferenças de se jogar pelo Barcelona e pela Argentina, e definida o que é uma situação de pressão, vamos aos números de Messi. A primeira estatística que levantamos foi o número de toques por jogo:
Apesar de o Barça ter posse de bola quase idêntica na Liga e na Champions, temos que Messi participa mais nos jogos da Champions. Na seleção argentina, porém, toca muito menos na bola - mas isso é fruto, em grande parte, de a Argentina ter menos posse de bola que o Barcelona. Na verdade, podemos ver no gráfico abaixo que Messi participa mais dos jogos da Argentina, considerando o número de toques em relação ao total do time:
Dado seu posicionamento pela seleção, atuando mais no meio de campo, este resultado era esperado. Na sequência, temos os gráficos da quantidade de finalizações, tanto por jogo quanto em proporção ao total de seu time:
Temos aqui que o argentino se comporta nas finalizações praticamente da mesma maneira na Liga e na Champions. O reflexo de jogar mais no meio na Argentina pode ser visto aqui: participa mais (relativamente) dos jogos, porém finaliza menos. Ainda assim, é responsável por mais de ¼ das finalizações da seleção. Em seguida, analisamos como são criadas estas finalizações, ou seja, se nascem de uma jogada individual (não assistida) ou de um passe de um companheiro (assistidas):
Temos aqui a primeira diferença significativa em relação ao seu desempenho na Liga e na Champions. Enquanto que no Campeonato Espanhol Messi depende em grande parte de seus companheiros para finalizar, na Champions há uma proporção maior de finalizações criadas em jogadas individuais. Este padrão é semelhante ao apresentado na seleção argentina, com Messi criando muitas de suas próprias chances.
Um padrão praticamente idêntico ao de finalizações pode ser observado em relação ao número de gols:
Apesar de importantíssimo no ataque da Argentina, podemos observar que o papel de "fazedor de gols" de Messi é mais destacado no Barcelona. Encerrando a análise de finalizações e gols, vamos utilizar novamente o conceito de gols acima do esperado, apresentado em nosso primeiro artigo.
A Opta calcula, a partir de cada finalização, o valor de gols esperados, que depende do tipo de finalização (chute, cabeçada, pênalti), distância da finalização, entre outros. Caso um jogador faça mais gols que o esperado, ele é um finalizador acima da média. Apresentamos a seguir o número de gols por jogo acima do esperado, para dentro e fora da área:
Observamos um padrão um pouco diferente, com Messi sendo mais eficiente finalizando de dentro da área na Champions, e de fora da área na seleção, mas o recado é: nas três competições, ele é um grande finalizador. Antes de passarmos para outras contribuições de Messi em campo, vale destacar que, até agora, não parece que Messi atua pior na Champions, nem na Seleção (neste último caso, parece ser apenas questão de posicionamento distinto).
Apresentamos agora a quantidade de passes por jogo e a porcentagem de passes corretos:
Dada a menor quantidade de toques (valor absoluto, e não relativo) que Messi dá em sua seleção, era esperado que desse menos passes na Seleção do que no Barcelona. Apesar de pequenas diferenças na acurácia desses passes, os números de passes corretos são semelhantes nas três análises, com uma leve queda quando joga na seleção.
Mas assim como o número menor de finalizações, os números piores de passes corretos podem ser justificados pela sua colocação em campo, e não por jogar pior em situações de maior pressão. O esquema tático da Argentina faz com que Messi lance e cruze mais do que no Barcelona, jogadas que naturalmente apresentam menor número de acertos que os passes curtos do Barcelona:
O Barcelona é famoso por chegar no ataque por meio de passes curtos, o que pode ser observado nos gráficos acima. Por fim, apresentamos a quantidade de chances criadas por jogo para seus companheiros (passes que resultam em finalizações), e para o número de dribles bem sucedidos por jogo:
Temos nas duas categorias que Messi se comporta de maneira idêntica na Champions e na Liga, e um pouco acima na Argentina - o que mostra que "a Pulga", quando joga pela sua seleção, dado que toca menos na bola, é até mais agressivo (com mais dribles) e mais importante na criação (com mais chances criadas - o que era, de certa forma esperado, pela sua maior participação na articulação).
ENTÃO, O QUE AFINAL DIZEM OS NÚMEROS?
Apresentamos apenas uma parte de uma imensa gama de números que compilamos que mostram, quase que sem exceção, que Messi se comporta da mesma maneira na Liga, na Champions e na seleção argentina, sendo que a principal diferença no último caso depende muito mais de sua colocação tática em campo, e do estilo de jogo portenho, do que de seu desempenho individual - os números não mostram nenhum efeito da "pressão" no atacante argentino.
Vale ressaltar ainda que fizemos outra análise, comparando o desempenho de Messi nas últimas 5 rodadas do primeiro e do segundo turno nas temporadas 2014/15 e 2015/16 da Liga, procurando ver mudanças em seu desempenho numa situação de pouca pressão, e contra os mesmos adversários numa situação de forte pressão (o Barça chegou até a última rodada nestes dois anos disputando o título). Uma vez que seu desempenho foi praticamente idêntico nos dois conjuntos de jogos comparados, preferimos retirar essa parte de gráficos e dados da análise.
Como todos estamos cansados de escutar, futebol é um jogo coletivo, e o resultado de um jogo depende dos 22 jogadores em campo. Se na vitória destacamos o componente coletivo, por que raios, num eventual tropeço do Barça ou da Argentina, já corremos a pendurar a pecha de amarelão em Messi, ainda mais com os dados mostrando que seus (excepcionais) números não mudam em nada?
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