Publicado por Thiago Noronha Vieira - 4 dias atrás
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As
redes sociais na última semana foram invadidas por um assombro, as
principais operadoras de internet banda larga (não por coincidência as
mesmas que dominam o setor de internet móvel): Oi, Vivo, Claro, NET, anunciaram que todos os seus planos de internet fixa serão oferecidos com um limite de dados.
Desse modo, mesmo conexões por ADSL - aquelas em que a rede aproveita a
linha de telefone do usuário - funcionarão por franquia, como nos
planos de internet móvel.
Em outras palavras, as operadoras poderão cortar ou reduzir
a velocidade da internet quando o usuário atingir o limite. Atualmente,
os planos de internet fixa são regulados por velocidade e não há volume
máximo de dados. Um consumidor pode baixar filmes, músicas e assistir
vídeos o quanto quiser, pagando apenas pela velocidade com que esses
dados trafegam. Com um limite de consumo, a experiência do usuário é
seriamente prejudicada.
Contra esta prática, insurgiu nas redes sociais o Movimento Internet Sem Limites,
que vem aglutinando internautas contra a investida das principais
operadoras e defendendo, por exemplo, o livre consumo de dados por
consumidores da modalidade fixa de internet.
Caso Vivo
A
Vivo Internet Fixa (ex-Speedy e que comprou recentemente a GVT), por
exemplo, vai oferecer limites mensais para a internet ADSL com
velocidades de 200 kb/s a 25 Mb/s. Veja os respectivos limites de
franquia e as velocidades prometidas:
· Banda Larga Popular 200 kb/s: 10 GB
· Banda Larga Popular 1 e 2 Mb/s: 10 GB
· Vivo Internet 4 Mb/s: 50 GB
· Vivo Internet 8 e 10 Mb/s: 100 GB
· Vivo Internet 15 Mb/s: 120 GB
· Vivo Internet 25 Mb/s: 130 GB
A
franquia será ilimitada até 31 de dezembro de 2016 e, a partir do
período, "poderá ocorrer o bloqueio ou a redução da velocidade" quando o
limite de banda for ultrapassado. Ferramentas que ajudam você a "medir"
o consumo e controlá-lo devem ser lançadas com o tempo pela marca. A
NET já utiliza uma política parecida nos serviços da Virtua, confirmando
a possibilidade de reduzir a velocidade dos clientes até o final do mês
se o limite for superado antes do tempo. Clientes que assinaram o
serviço Vivo Internet Fixa antes de 5 de fevereiro não serão afetados —
porém, outros planos podem ser transferidos para essa nova política.
PROTESTE se pronuncia
Em
entrevista ao site Olhar Digital, Marie Inês, coordenadora
institucional da PROTESTE, Associação Brasileira de Defesa do
Consumidor, afirmou que este tipo de cobrança é ilegal. "Nós entendemos
que a Anatel não pode se omitir e aceitar essa mudança, porque o
consumidor é quem vai sair perdendo. Uma mudança como essa precisa
passar por uma ampla discussão antes de ser aprovada. Isso é um
retrocesso", revelou.
Vale lembrar que a PROTESTE tem uma ação
civil pública ainda em andamento na Justiça contra a Oi, Vivo, Claro,
NET e a Tim (que não cobra franquia de dados na rede fixa). O objetivo
da associação é impedir que as empresas limitem o acesso do consumidor à
internet por meio de uma franquia, tanto no celular quanto em conexões
fixas.
Marco Civil da Internet
A Lei nº 12.965,
de 23 de abril de 2014, também conhecida como “Marco Civil da Internet”
buscou regulamentar o setor. Segundo as operadoras que anunciaram as
mudanças, elas não colidem com o diploma legal, muito menos com o Código de Defesa do Consumidor (CDC),
legislação específica que trata das relações de consumo e que,
inclusive, é reiterado como fundamento a ser respeitado pela Lei:
Art. 2º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
[...]
V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VI - a finalidade social da rede.
A Lei nº 12.965
trouxe um elemento importante e fundamental na defesa da não limitação
do pacote de dados para internet fixa, a finalidade social da rede. A
internet, hoje, é um ambiente de troca de informações, conteúdo e
conhecimento. Limitar, sob qualquer argumento, colide frontalmente com
os princípios presentes no espírito do Marco Civil da Internet, conforme se destaca:
Art. 4º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:
I - do direito de acesso à internet a todos;
II - do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos;
III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e
IV - da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados.
Pois bem, traçado esse preâmbulo, observa-se
no artigo 7º da referida lei, os casos em que os serviços de internet
pode ser, de fato, cortado (ou suspenso):
Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
[...]
IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;
V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet;
VI - informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade;
O
que ocorre, entretanto, é que as empresas do setor buscaram na lei um
entendimento onde, embora não ocorra a suspensão, possa ocorrer a
diminuição da internet após o uso completo dos dados contratados na
franquia mensal. Resgatando o exemplo da NET, utilizando os serviços da
Virtua, quando atingir limite de dados mensal, o usuário teria sua
velocidade de tráfego de dados reduzida para o contratado anteriormente
para 1mbps (mínimo).
Isso, claro, prejudicará o uso doméstico do
usuário que terá problemas, por exemplo, para baixar arquivos maiores,
assistir vídeos em streaming, jogos on-line dentre outras coisas.
Observem que o inciso V do Art. 7º deixa claro que estão assegurados o direito a manutenção da qualidade contratada da conexão.
Logo, há uma vedação expressa a qualquer sistema de redução da
velocidade, muito menos de interrupção (salvo por falta de pagamento).
Para ratificar este entendimento, temos:
Art. 9º. O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
§ 1o A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:
I - requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II - priorização de serviços de emergência.
§ 2o Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1o, o responsável mencionado no caput deve:
I - abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;
II - agir com proporcionalidade, transparência e isonomia;
III - informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e
IV - oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.
§ 3o Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.
Ora, se não pode haver
degradação ou mitigação do tráfego de dados, a iniciativa das operadoras
do setor vai de encontro ao que preceitua a Lei específica que
regulamenta o setor. Desta feita, em análise preliminar, percebe-se que
há problemas sérios nessa iniciativa que afrontam completamente não só o
Marco Civil da Internet, bem como o próprio Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal.
Fontes
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