O Barcelona conseguiu o que muitos julgavam ser impossível e protagonizou a maior virada da história da Uefa Champions League
Header Gabriel Pazini
Já vi muitas coisas extraordinárias e inacreditáveis no futebol, mas não me lembro de ter visto algo parecido com o que aconteceu no Camp Nou nesta quarta-feira (8). Faltam palavras para descrever a goleada por 6 a 1 do Barcelona sobre o PSG pelo jogo de volta das oitavas de final da Uefa Champions League. Épico, emocionante, espetacular, incrível... Qualquer adjetivo parece pequeno demais para se referir ao milagre ocorrido na Catalunha. Posso apenas escrever que agradeço por estar vivo e poder ver um dos maiores jogos da história, e pela existência do futebol, capaz de proporcionar momentos mágicos que transcendem o esporte.
Barcelona PSG
Existem, porém, pontos que nos ajudam a entender e analisar o que aconteceu em uma das partidas mais espetaculares da história do futebol.
Transformação tática
Depois de ser massacrado e ter uma atuação lamentável no jogo de ida em Paris, o Barcelona sofreu para vencer o fraquíssimo Leganés em casa, por La Liga, conseguindo o triunfo apenas aos 45 minutos do segundo tempo, com gol de pênalti de Lionel Messi. Naquele duelo ficou ainda mais claro que o Barça precisava de mudanças. Antes de ser goleado pelo PSG, o time vinha conseguindo os resultados, mas o desempenho era ruim e a equipe se salvava com boas atuações individuais.
Luis Enrique, que merece alguns questionamentos, mas também recebe críticas injustas e é menos valorizado do que deveria, mudou completamente o esquema tático azul-grená e modificou a forma como seu time vinha jogando. Ele trocou o 4-3-3 com variações pelo 3-4-3 com variação para o 3-1-4-2. Com o novo esquema, três vitórias para dar muita confiança antes do duelo com o PSG, e além dos ótimos resultados, bom desempenho.
FC Barcelona 08032017
Contra o Atlético de Madrid, após um início ruim, o Barça melhorou muito e conseguiu uma boa vitória em pleno Vicente Calderón. Depois, massacres no Camp Nou sobre Sporting Gijón e Celta de Vigo, que tem sido uma pedra no sapato do clube nos últimos anos. Três grandes triunfos com boas exibições, excelentes nos dois últimos embates, tanto do ponto de vista coletivo quanto individual.
A confiança para encarar o PSG, a fé no milagre e o clima eram totalmente diferentes de três semanas antes, depois do massacre na França. E para o duelo no Camp Nou, Luis Enrique, que tinha feito mudanças nos três jogos anteriores, armou a equipe muito bem.




No 3-1-4-2, ele colocou Mascherano, Piqué e Umtiti na zaga, Busquets na frente do trio, Rafinha aberto pela direita, Neymar pela esquerda, Rakitic e Iniesta pelo centro fazendo combinações com Rafinha e Neymar, e Messi e Suárez no ataque, sendo que o argentino tinha total liberdade para flutuar entre as linhas, como faz muito bem, e confundir a marcação do PSG. Muitas vezes o time variou para o 3-1-4-1-1 e 3-4-3.
No primeiro tempo, o esquema funcionou maravilhosamente bem. Compacto e intenso, o Barça jogou alguns de seus melhores minutos do ponto de vista coletivo na temporada, pressionou o time visitante o tempo inteiro, criou ótimas chances e não deu espaços ao rival.
Confira os mapas de calor de PSG e Barcelona, respectivamente, na partida, e a pressão barcelonista:
PSG Heat Map vs Barcelona Uefa Champions LeagueBarcelona Heat Map vs PSG Uefa Champions LeagueCampo de defesa no lado esquerdo e campo de ataque no lado direito (Mapas de calor: Opta)
Com a marcação alta e fulminante, os Blaugranas recuperavam a bola logo que perdiam a posse, enquanto a compactação, a intensidade, a movimentação e as trocas de passes da equipe azul-grená fizeram com que os primeiros 45 minutos de jogo fossem de domínio quase absoluto do Barcelona. Na primeira etapa, a partida foi jogada o tempo todo na intermediária defensiva do Paris Saint-Germain, que não conseguia respirar sem a bola com a enorme pressão e, quando raramente tinha a posse, rapidamente a perdia, porque também ficava sem espaço para trocar passes e articular contra-ataques, tamanha a pressão barcelonista também na marcação.
Obviamente, o medo do PSG também teve muita participação nisso, mas não dá para tirar ou minimizar os méritos do Barcelona e de Luis Enrique e seus jogadores.
Gigante contra medroso
Outro ponto fundamental para o milagre ser realizado foi que um time gigante, de enorme e inquestionável tradição, acostumado com conquistas e jogos grandes, fez valer o maior peso de sua camisa contra uma equipe que não é gigante e foi medrosa.
O Barcelona partiu para cima desde o início, acreditou no impossível, cativou e fez sua torcida jogar junto como há muito tempo não se via acontecer no Camp Nou. Já o PSG, medroso, jogou na retranca e durante o primeiro tempo inteiro, sequer conseguiu contra-atacar para dar um susto que fosse em Ter Stegen. Parte disso pela pressão catalã já mencionada, que não deixou o time parisiense respirar e ter espaços, mas parte também pela estratégia e mentalidade medrosas dos franceses.
Confira os números do jogo



    Os erros da equipe também foram capitais para a impressionante reviravolta. Os primeiros dois gols do Barcelona têm os méritos do time espanhol, é claro, principalmente de Suárez e Iniesta, que não desistiram nas duas jogadas, mas também possuem as falhas bizarras da defesa francesa. Thiago Silva e companhia vacilaram demais no primeiro tento, enquanto Marquinhos dormiu e Kurzawa se desesperou no segundo. Vale destacar também a marca incrível do atacante uruguaio azul-grená: 65 gols em 64 jogos pelo Barcelona no Camp Nou.
Depois, no fim da partida, nos sete minutos impressionantes e mágicos, a diferença de um time gigante para um que não é e jogou com medo foi vista novamente. O gol de Neymar, o quarto do Barcelona, foi marcado aos 43 minutos do segundo tempo. Naquela altura, os Blaugranas ainda precisavam de mais dois tentos. A tarefa era mais improvável do que no início da partida. Faltou tranquilidade ao PSG para se controlar, esfriar o jogo e brecar a pressão que o Barça faria. Ao invés de usar o desespero catalão ao seu favor, o time francês entrou na pilha do rival, sentiu a atmosfera, falhou mais duas vezes e viu o impossível ser escrito.
Neymar Thiago Silva Barcelona PSG 08032017
O pênalti em Suárez não existiu, mas Marquinhos foi imprudente e infantil ao entrar em contato desnecessário com o uruguaio, que não conseguiria chegar na bola. Sem isentar o árbitro, que errou no lance, mas sem replay, dentro de campo, na posição em que ele estava, com o zagueiro brasileiro tocando o uruguaio e fazendo o movimento de puxão com o braço, a impressão é de pênalti claro. Não vi pênalti no lance e a marcação foi equivocada, mas Marquinhos também vacilou sem necessidade. Depois, no gol da classificação, Sergi Roberto estar completamente livre dentro da área no último minuto é um erro geral e lamentável.
Além das falhas defensivas, o PSG também falhou no ataque, desperdiçando chances claras que fizeram falta. Depois de não jogar no primeiro tempo e ver Messi colocar 3 a 0 no placar com cinco minutos da etapa final, Unai Emery sacou Lucas e colocou Ángel di María em campo.
Barcelona PSG
O PSG melhorou com o argentino, que fez o time colocar a bola no chão e, com a ajuda de Draxler, armou bons contra-ataques. O crescimento e um time menos medroso deram resultado aos 17', quando Cavani, em um belo chute, diminuiu para o Paris Saint-Germain. Quando o Barcelona parecia estar próximo da classificação, a equipe francesa esfriou o Camp Nou em chamas.
Antes do pontapé inicial, a missão catalã era quase impossível. Depois do gol do PSG, parecia ainda mais improvável marcar três gols em menos de 30 minutos. O Barça caiu de rendimento e os visitantes tiveram chances de matar o jogo, mas Di María e Cavani perderam duas chances claríssimas. As oportunidades desperdiçadas fizeram falta depois, com o milagre nos sete minutos finais.
Faltou coragem, tranquilidade, concentração e jogar futebol. Faltou grandeza ao PSG.
Neymar absurdo
Outro ponto da classificação histórica do Barcelona é o show de Neymar. O brasileiro já tinha tido boa atuação no primeiro tempo, criando boas oportunidades e abrindo espaços pelo lado esquerdo, além de boas combinações com Iniesta e Messi e ajudar muito na marcação, principalmente no campo ofensivo. Na etapa final, porém, o craque foi absurdo.
Logo no início, aos cinco minutos, ele sofreu pênalti, que foi convertido por Lionel Messi. Depois, porém, o Barcelona caiu de produção após sofrer o gol do PSG, aos 17', e não conseguiu agredir muito o rival. As poucas jogadas mais perigosas, no entanto, eram de Neymar, que continuava tentando pelo flanco esquerdo.
Confira os números de Neymar na partida:

Estatísticas do jogador — Neymar da Silva Santos Júnior

Neymar não desistiu da reação hora alguma. Desde o início, ele pareceu sempre acreditar que o milagre era possível, e foi premiado por isso.
Aos 43 minutos, o camisa 11 bateu falta com maestria no ângulo. Golaço! No entanto, ainda faltavam dois gols. Aos 45', ele chamou a responsabilidade e converteu a penalidade "sofrida" por Luis Suárez. Nos acréscimos, já aos 50', foi dele o cruzamento para o gol de Sergi Roberto, que concluiu o épico blaugrana. Quando tudo parecia perdido, Neymar acreditou e tornou o milagre possível. Quando o Camp Nou já estava calado, o brasileiro incendiou o estádio e inflamou a torcida mais uma vez.
Desde que Neymar fez sua estreia na Champions League, em 18 de setembro de 2013, nenhum jogador deu mais assistências que ele na competição: 15. O craque, aliás, é o líder da estatística nesta temporada da competição, com oito passes para gols.
Barcelona PSG Neymar(Fotos: Getty Images)
Em um dia no qual Iniesta fez um bom primeiro tempo mas cansou no segundo, e Lionel Messi e Luis Suárez não viveram suas jornadas mais inspiradas, Neymar chamou a responsabilidade e decidiu para o Barcelona. Ele prometeu dois gols, mas fez muito mais que isso: anotou os dois tentos, deu a assistência decisiva, sofreu um pênalti, nunca desistiu, foi o melhor em campo, chamou a responsabilidade, foi quem mais tocou na bola (109 vezes), criou as melhores chances dos Blaugranas e ainda ajudou muito na marcação. Neymar foi o craque que o Barça precisou. Em sete minutos, ele liderou o Barcelona na maior virada da história da Uefa Champions League.
Arbitragem
O último ponto do milagre é a arbitragem, que de fato prejudicou o espetáculo e cometeu vários erros. Além do já comentado pênalti inexistente em Luis Suárez, ocorreu um pênalti não assinalado para o PSG e outro também não marcado para o Barcelona. Já a penalidade em Neymar é discutível, mas na minha opinião, foi acertadamente marcada.
No entanto, reduzir a décima classificação seguida do Barcelona às quartas de final da UCL e destacar isso é lamentável. Vale lembrar o tamanho do placar: 6 a 1. Por méritos próprios já destacados e por erros do PSG, o Barça conquistou a maior virada da história da Uefa Champions League. Os Blaugranas escreveram uma página inédita e extraordinária na história do torneio. A goleada foi totalmente merecida e conquistada de forma épica com três gols em sete minutos no fim da partida.
Não dá para diminuir isso para focar na arbitragem. No mais, os amantes do futebol e o próprio futebol agradecem por um dos grandes jogos da história.