Domingo, 29 de maio de 2011, 14h19 Atualizada às 15h12
Marcelo Lacerda/Terra Magazine O corpo de Herivelto Pereira dos Santos foi encontrado no sábado, a oito quilômetros do Assentameto Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna |
Felipe Milanez
De Nova Ipixuna (PA)
A Policia Civil do Pará afirma que o assassinato do assentado
Herivelto Pereira dos Santos, encontrado morto neste sábado
(28), não teria ligação com o homicídio do casal de extrativistas
José Claudio Ribeiro da Silva e Maria Bispo do Espírito Santo,
ocorrido na terça-feira passada. Detalhe: duas horas depois
de encontrado o corpo de Herivelto, o delegado encarregado
do caso já manifestava tal opinião. Disse o delegado José
Humberto de Melo Jr.:
- Não tem ligação, não existe lógica para associar esse crime
ao outro caso. Até porque no local existe a questão do tráfico
de drogas, o local é utilizado como uma rota de fuga. Tem
que ser apurado o que aconteceu lá, e não ser associado
ao assassinato.
(Exatamente. Há que ser apurado e isso se aplica a todas as
versões, inclusive, por certo, à do delegado).
José Batista, por exemplo, advogado da CPT, rechaça a
avaliação do delegado José Humberto:
-Discordo totalmente da posição dele. A Polícia Civil
não investigou nenhuma outra hipótese de que o crime
estivesse relacionado com alguma outra causa. Se a
polícia divulga que está relacionada ao tráfico de drogas,
é irresponsável. Não há nenhuma prova colhida que aponte
isso. É uma decisão precipitada que pode desviar o foco da
investigação.
Corpo foi localizado por familiares (Foto: Marcelo Lacerda)
O corpo da vítima foi encontrado por familiares. Herivelto, que tinha
25 anos, estava desaparecido desde quinta-feira (26) quando
teria, segundo familiares, ido comprar peixe no Porto do Barroso,
localizado à beira do lago da represa de Tucuruí.
Familiares de Herivelto relataram o assassinato a integrantes
de uma operação conjunta do IBAMA e Polícia Rodoviária
Federal que, com quatro viaturas e um helicóptero, atuavam
na repressão de crimes ambientais. A equipe, avisada pela
família, se deslocou até o local onde se encontrava o corpo.
Segundo informações do advogado da CPT e de outros
assentados ouvidos na delegacia - que pedem sigílo por
temor a represálias -, Herivelto seria uma das testemunhas
no caso do assassinato dos extrativistas José e Maria.
Conforme esta versão que o aponta como testemunha, Herivelto
consertava uma estrada danificada pelo período de chuvas,
quando foi abordado pelos pistoleiros; que não encontravam a
rota de fuga do local. Herivelto não chegou a ser ouvido pela policia.
Mais assentados afirmam ter visto - como também relatava
Herivelto - uma moto vermelha da marca Honda, modelo
Bros, e nela, dois homens com capacetes; quanto a
esse fato e descrição, portanto, Herivelto não é a única testemunha.
Peritos estiveram no local (Foto: Marcelo Lacerda)
A família encontrou o corpo às 10 horas da manhã do sábado
em um ponto de difícil acesso e, duas horas depois de informados
, chegaram integrantes da Polícia Rodoviária Federal e do
IBAMA. Agentes da Polícia Federal, transportados pelo
helicóptero do IBAMA, tiveram acesso à cena do crime no
meio da tarde. A Polícia civil chegou ao local apenas às 20h.
O corpo de Herivelto foi encontrado cerca de 50 metros dentro
da mata, ao largo de uma trilha que leva ao lago de Tucuruí
e que só pode ser feita a pé. Essa trilha, localizada a
aproximadamente 500 metros da casa de um assentado, João
Pereira de Sousa, 69. Segundo a perícia, Herivelto foi morto
com pelo menos dois tiros. Não havia sinais indicando que a
vítima tenha sido arrastada pela mata. Sua moto foi localizada
na trilha.
O assentado João Pereira de Sousa afirma ter ouvido tiros
por volta das 15h, na última quinta-feira, quando trabalhava
em uma roça nas proximidades. Sousa diz não ter se dado
conta dos tiros terem sido disparados tão próximos de sua casa.
No sábado, os parentes de Herivelto armaram uma busca
pelo desaparecido. "Nós chegamos aqui, na beira da grota,
vimos a moto dele, e os urubus bateram asas. Entramos
na mata, éramos em onze¿, afirma a irmã Acleide Pereira
dos Santos.
"A Justiça tem que apurar o caso. Nós temos que pedir reforço.
A informação que nós temos é que a beira desse rio é cheio de
bandidos", disse João de Sousa Pereira. Este, embora de nome
parecido com o do assentado João Pereira de Sousa, é tio de
Herivelto e vive na vizinha localidade de Itupiranga.
Segundo o delegado Melo Jr., no caso da morte de Herivelto
não há relatos de conflito agrário nem indícios de conflitos
por terra. Por isso o crime não será investigado (pela delegacia
especializada de Marabá) no mesmo processo que apura
a morte do casal de extrativistas. Diz o delegado:
- Vai ser aberto um inquérito na delegacia local, de Nova Ipixuna.
O delegado Melo Jr. suspeita de um acerto em meio a
disputas no tráfico de drogas. Depoimentos de assentados
indicariam, é a informação da Polícia, que existiriam
grandes plantações de maconha no assentamento. "Há um
indicativo de tráfico", diz o delegado.
Eduardo Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Nova
Ipixuna, confirma que Herivelto era assentado, trabalhava na
roça, vivia com sua mãe Maria Dolores e que seu pai,
Acedônio, foi vítima de latrocínio há alguns anos.
Moradores aterrorizados
O terceiro assassinato, na mesma semana da morte de
José Cláudio e Maria, trouxe pânico ao local. Mais do que
com medo, assentados estão aterrorizados. Famílias
seguem trancadas nas casas, com crianças chorando.
"Preciso avisar lá em casa que está tudo bem, eles
estavam chorando quando saí", conta o Presidente
do Sindicato, Eduardo Rodrigues, que acompanhou o
trabalho da polícia depois de encontrado o corpo.
Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais de Nova Ipixuna, resume o clima
naquela região do Pará:
-Aqui não tem Estado... estamos abandonados . É
preciso esclarecer esses crimes. Tenho medo, a gente
está com medo... quem não fica com medo em uma
situação dessas? Todo mundo está desesperado.
O abandono aqui é cruel. Muito cruel.
Felipe Milanez é jornalista e advogado, mestre em ciência política pela Universidade de Toulouse, França. Foi editor da revista Brasil Indígena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multiétnico.
Fale com Felipe Milanez: felipemilanez@terra.com.br
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